Esta
não é uma devoção que tenha caído em domínio público, mas, sim, uma experiência
espiritual e existencial vivida por mim, a qual sinto como meu dever
partilhá-la com o máximo possível de pessoas, principalmente porque, através de
meu ministério ordenado, tenho percebido quantas dores existem no mundo.
Muito
embora a vida de um padre seja repleta de graças e bênçãos, seja da parte de
Deus, seja da parte do povo de Deus, proporcionando muita alegria e esperança,
uma triste realidade é que esta vida também é atingida pela dor, pela
incompreensão, pela rejeição, pelas difamações, pelas calúnias, pelas
injustiças. Isso não é novidade e não deve chocar ninguém, pois Jesus já
alertava os seus discípulos: “Se o mundo
vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós, me odiou a mim. Se vós fôsseis do
mundo, o mundo amaria o que era seu, mas porque não sois do mundo, antes eu vos
escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos odeia. Lembrai-vos da palavra que
vos disse: Não é o servo maior do que o seu senhor. Se a mim me perseguiram,
também vos perseguirão a vós; se guardaram a minha palavra, também guardarão a
vossa. (João 15:18-20).
Neste
ano de 2016, em particular, senti como as pessoas estão feridas devido a
atitudes de pessoas, muitas vezes próximas, o que lhes causa muita angústia,
tristeza e até depressão. A muitas, a morte acaba por ser um conforto e, se
viesse, seria bem acolhida. Digo isso por experiência própria, pois a anos
venho sofrendo com rejeições e intrigas, o que debilitou-me física, moral e
espiritualmente. Minha atitude em relação a isso estava sendo a de vítima,
lamentando-me profundamente, incapaz de superar a tristeza que tudo isso
estava-me causando, chegando mesmo a não mais me reconhecer ao olhar ao espelho
ou em foto, como de fato aconteceu. Meu rosto e meu corpo envelheceram,
tornaram-se duros; sentia-me prostrado e curvado pelo peso do mal que me
afligia. E eu não conseguia fazer nada, a não ser lamentar-me, o que
transparecia em muitos poemas que escrevi nos últimos anos.
No
início deste ano, uma senhora de minha comunidade veio procurar-me e disse-me
que não desejava intrometer-se em minha vida, e perguntou-me o que estava
acontecendo, pois ela notara que eu não estava bem, que estava doente, que até
a minha voz estava diferente e sem vida. Lembrei-me de uma foto recente minha
que eu havia visto, batida por um paroquiano, na qual não me reconheci.
Aconteceu,
então, de eu receber, em março, o convite para acompanhar uma peregrinação a
Portugal. Como eu não tivera condições de tirar férias em janeiro, por uma
série de razões, essa peregrinação foi-me um verdadeiro presente de Jesus e de
Nossa Senhora.
Estando
em Fátima, acompanhei alguns dos peregrinos pela Via Sacra que liga o Santuário
a Aljustrel, o local onde moravam os três pastorezinhos de Fátima. É um caminho
longo e que, segundo dizem, era feito pelas crianças que levavam suas ovelhas
para pastarem naquele sítio. A Via Sacra é formada por diversas capelas nas
quais se medita os passos de Jesus em Sua Paixão. Entre
essas capelas, havia diversas placas em mármore, nas quais apareciam descritas
passagens do Diário da Irmã Lúcia, que contava sobre as Aparições de Nossa
Senhora e sobre a vida das crianças. Eu já conhecia tanto o Diário quanto este
caminho da Via Sacra. Mas desta vez, prestei uma atenção especial naquelas
inscrições e chamou-me a atenção os sacrifícios que aquelas pequenas crianças
faziam, após a visão que tiveram do inferno, pela salvação dos pecadores, para
que ninguém mais fosse para aquele local tão terrível. Elas não apenas
aceitavam os problemas que as Aparições lhes trouxeram, pela rejeição das
autoridades e até de seus familiares e amigos, mas ainda se impunham mais
sacrifícios, como deixar de beber água na hora em que tinham sede para sofrerem
um pouco mais e ofertar esse sofrimento a Deus pelos pecadores, ou adiavam o
momento de comer – até nem comiam, dando seus alimentos aos pobres. Outros
sacrifícios corporais também eram praticados por aquelas três crianças.
Entendi, naquele momento, que elas não fugiam da dor e do sofrimento, mas davam
a eles um sentido: sempre a salvação dos pecadores.
Ao
retornar da peregrinação, na manhã seguinte à minha chegada, na capela do
Seminário Propedêutico no qual sou o Reitor, peguei um livreto[1] que me foi dado por uma
senhora, aluna minha no curso de Teologia Pastoral, na qual Jesus dizia a um
sacerdote que os padres de hoje procuram fugir da dor, sem compreender o
sentido que ela tem na vida. O trecho do livro que li naquele dia dizia” Os
homens, e muitos dos meus ministros e religiosos não dão valor ao Mistério da
Cruz, que se renova continuamente. (...) Oferecendo-se juntamente comigo ao
Pai, seguindo-me na Cruz, ao invés de seguir o mundo, experimentariam o quanto
o meu jugo é suave e leve” (28/07/1975). Anteriormente a estas palavras, Jesus
teria dito: “O sofrimento não aceito é injustiça contra Deus, é falta de
justiça e de amor contra o próximo e contra os irmãos mais necessitados da
divina Misericórdia. / Deploram-se as injustiças sociais, e com razão, mas não
se deploram menos as injustiças espirituais cometidas com prejuízo de tantas
almas que se perdem, porque não se quis sofrer com Comigo pela salvação delas.
(...) Os revoltados contra o sofrimento correm o risco de se auto-rejeitarem do
Corpo Místico, correm o perigo de se tornarem ramos secos e inúteis, que só
prestam para o fogo. (...) A recusa do sofrimento é um mal gravíssimo da
sociedade materialista, que desventuradamente contaminou clero, religiosos e
religiosas” (09/05/1975).
Compreendi,
naquele momento, que não adiantava eu ficar me lamentando por tudo o que de mal
me atingia, mas que eu teria de incorporar as dores, angústias, enfermidades,
sofrimentos, perseguições, difamações e incompreensões à minha vida, dando um
sentido a eles. E foi o que eu fiz!
Em
oração, eu disse a Jesus:
Jesus, eu te oferto tudo aquilo que
me faz sofrer - dores, angústias, enfermidades, perseguições, difamações e
incompreensões – pela minha salvação e a do mundo inteiro.
Pedi e repeti – e tenho repetido
todos os dias – esta oração espontânea e senti que, ao ofertar tudo a Jesus,
dando sentido ao que me fazia sofrer, Ele acolhia a minha oferta, aliviando-me
desse peso que estava ficando insustentável em minha vida.
“Só isso?” – perguntou-me uma
das pessoas com quem partilhei essa experiência, pois era algo simples demais.
E a resposta é essa: simples assim, como tudo o que é de Deus. Nós, humanos,
complicamos tudo, mas as coisas de Deus são extremamente simples.
Passei a sentir uma paz em meu
coração, que eu a muito não sentia. Certa manhã, olhando-me ao espelho, logo ao
acordar, percebi como a expressão de meu rosto estava mais suave, mais
relaxada. Agora, pego-me muitas vezes cantarolando durante o dia. Não consegui
resolver os problemas que me circundam, mas sinto que eles já não me atingem
tão negativamente como antes.
Fico pensando na morte de Jesus
na Cruz. A última tentação do Senhor foi a de descer da Cruz para salvar a
própria vida (cf. Mt 27, 40.42; Mc 15, 30-32; Lc 23, 35.37.39), ele que havia
ensinado que perde a vida quem quer salvá-la para esta vida e a ganha quem a
perder por causa do Reino (cf. Mt 16,25; Mc 8,35). Jesus na fugiu da Cruz,
levando a missão que o Pai lhe confiara à última conseqüência, ou seja, a
doação de Sua vida. Jesus, ao morrer, deu um sentido a toda a sua vida, paixão
e morte: salvar a humanidade toda, conforme o Seu próprio nome indica:
“Javé-Deus Salvador).
Se nós aprendermos a dar um
sentido às nossas dores e sofrimentos, nossa vida terá um novo sentido e, com
certeza, o mundo se aproximará mais daquele projeto que está no coração de
Deus.
Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santos
[1]
“Tu
sabes que te amo – Carta aberta aos Sacerdotes” – uma obra mística escrita
por uma padre, M.O, que teria recebido do próprio Jesus as palavras nela contida
a respeito do Sacerdócio e dos Sacerdotes, entre maio e novembro de 1975.
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